18 de maio de 2010

Os dois olhos do Dragão: Beowulf entre Borges e Tolkien.

Estou escrevendo um artigo sobre o poema do Beowulf, anglo-saxão. É uma das fontes mais precisas do Tolkien. O último filme, como treinar seu dragão, recentemente nos cinemas, traz novamente esse símbolo tão importante da mitologia escandinava.
Devido ao Tolkien, esse símbolo, inclusive bíblico e babilônico, (Tiamat é o nome do drgaão que Gilgamesh, herói babilônico, tem que matar para fundar o mundo. E o dragão vermelho do Apocalipse cristão é famoso) se espalhou nos Role Playing medievais e épicos.
O argentino Jorge Luis Borges também é conhecido na literatura. Foi professor de inglês na universidade de Buenos Aires. Escreveu livros sobre a literatura germânica medieval e sobre a antologia anglosaxã. Deu atenção ao Beowulf, e escreveu poemas sobre o poema.
Como estou sem tempo de produzir algo mais elaborado atualmente, deixo alguns pontos que considero mais interessantes. Quando eu publicar o artigo, mando o link.
Livro El outro, el mismo. (1964).

Composición escrita em um ejemplar de La gesta de beowulf.

A veces me pregunto qué razones
Me mueven a estudiar sin esperanza
De precisión, mientras mi noche avanza,
La lengua de los ásperos sajoes.
Gastada por los años la memória.
Deja caer la en vano repetida.
Palabra y es así como mi vida.
Teje y deseje su cansada historia.
Será (me digo entonces) que de um modo
Secreto y suficiente el alma sabe
Que es inmortal y que su vasto y grave
Círculo abarca todo y puede todo.
Más Allá de este afan y de este verso
Me aguarda inagotable el universo. (BORGES, 1964)

"A linguagem anglo-saxã, o inglês antigo, estava, por sua aspereza mesma, predestinada à épica, isto é, à celebração da coragem e da lealdade. Por isso... é na descrição de batalhas que os poetas se saem especialmente bem. É como ouvíssemos o ruído das espadas, o golpe das lanças nos escudos, o tumulto dos gritos da batalha." (BORGES, 2002).

Em seu ensaio Beowulf: The Monsters and the critics (1936), Tolkien busca compreender esse poema enquanto poema. Eis o primeiro ponto importante. O valor literário em termos de beleza e força criativa. Tolkien ressalta esse ponto justamente porque quer delimitar sua crítica entre entender Beowulf como um documento histórico ou como um tratado teológico. Quer justamente fazer o que considera o meio termo entre ambos. Não é algo teórico, filosófico ou conceitual. É um poema escrito para retratar beleza, encantamento e arte, ou mesmo tempo que não é um documento histórico, porque não trata exatamente da história documental ou administrativa de qualquer instituição ou corpo burocrático. São mitos e lendas de um povo.

A expressão usada por Tolkien é que Bewoulf é uma torre (epopéia cristã), no qual seu poeta construtor usou pedras de uma construção mais antiga (os mitos escandinavos). Quando os estudiosos chegaram, começaram a questionar porque o poeta-construtor usou pedras novas em cima das construções antigas, e tentaram separar a construção mais antiga (mitos escandinavos) do suporte colocado (elementos da epopéia cristã), e acabaram destruindo a torre. A crítica de Tolkien é que esses estudiosos analíticos não entenderam que a torre tinha sido feita para ver o mar.

"The myth has other forms than the (now discredited) mythical allegory of nature: the sun, the seasons, the sea, and such things... The significance of a myth is not easily to be pinned on paper by analytical reasoning. It is at its best when it is presented by a poet who fells rather than makes explicit what his theme portends; who presents it incarnate in the world of history and geography, as our poet has done. Its defender is thus at a disadvantage: unless he is careful, and speaks in parables, he will kill what he is studying by allegory, and, what is more, probably with one that will not work. For myth is alive at once and in all its parts, and dies before it can be dissected[1] "(Tolkien, 1997, p.15)

So regarded Beowulf is, of course, an historical document of the first order for the study of the mood and thought of the period and one perhaps too litlle used for the purpose by professed historians. But it is the mood of the author, the essential cast of his imaginative apprehension of the world, that is my concern, not history for its own sake; I am interested in that time of fusion only as it may help us to understand the poem. And in the poem I think we may observe not confusion, a half-hearted or a muddled business, but a fusion that has ocurred at a given point of contact between old and new, a product of thought and deep emotion. One of the most potent elements in that fusion is the Northern courage: the theory of courage, which is the great contribution of early Northern literature[2] Tolkien, 1997, p. 20)


Voltamos a Borges, e podemos ver como o argentino entende parecido com o Tolkien.

...poderíamos pensar que o autor de Beowulf leu a Eneida, e que se propôs a escrever uma Eneida germânica, que então escreveu o Beowulf – isso foi escrito na Inglaterra, mas o autor usou lendas escandinavas; todas as personagens são dinamarquesas, ou procedem da Suécia. Mas naquela época não existia a idéia de que um escritor tivesse que escrever sobre o que é contemporâneo ou local, pelo contrário, existia o prestígio daquilo que estava longe, e talvez houvesse certa saudade do paganismo entre os anglo-saxões. (BORGES, 2009)

A arte e a literartura... teriam que se libertar do tempo. Muitas vezes me disseram que a arte depende da política ou da história. Não, eu acho que isso é totalmente falso. (BORGES, 2009)


O quanto disso podemos encontrar em nossos jogos de Role Playing?

[1] “O mito tem outras formas do que a (agora disacreditada) alegoria mítica da natureza: o sol, as estações, o mar e essas coisas... O significado de um mito não é facilmente posto no papel pela racionalidade analítica. Este é melhor quando é apresentado por um poeta que sente ao invés de explicitar o que o tema ostenta; que o apresenta encarnado no mundo da história e da geografia, como nosso poeta tem feito. Seu defensor está em desvantagem: ao não ser que ele seja cuidadoso e fale em parábolas, ele vai matar o que está estudando através da alegoriua, e, mais ainda, provavelmente isso não vai funcionar. Pois o mito está vivo como um um todo e em todas as suas partes, e morre antes que possa ser dissecado.” (tradução própria).
[2] “Beowulf é considerado, naturalmente, um documento histórico da primeira ordem para o estudo do modo e do pensamento do período e um talvez demasiado pouco usado para a finalidade por eminentes historiadores. Mas é o modo do autor, o molde essencial de sua apreensão imaginativa do mundo, que é meu interesse, não historia por sua própria causa; Eu estou interessado nesta época da fusão somente enquanto pode nos ajudar compreender o poema. E no poema eu penso que nós podemos observar não a confusão, um coração dividido ou negócios atrapalhados, mas uma fusão que tenha ocorrida em um ponto certo no contato entre velho e novo, um produto do pensamento e a emoção profunda. Um dos elementos mais potentes nessa fusão é a coragem nortista: a teoria da coragem, que á a grande contribuição da inicial literatura nortista.” (tradução própria)

7 comentários:

Hugo Marcelo disse...

Grande Diego,

Bacana seu texto...
O debate sobre virtudes, principalmente a força e coragem são sempre muito interessntes!!

Hugo Marcelo

Fabi Dias disse...

Adoro seus textos!

Adoro seus poemas, mais do que aos do Borges!!!

Bjs

Fabi

Gilson Rocha disse...

Que interessante!

Gilson

Daniel Coimbra disse...

Sobre Beowulf: gostei do filme com o Cristopher "McLeod" Lambert, onde aparecem sirenes e zíperes (quem já viu?).

Sobre Borges: Não sei quem é, mas tem sobrenome de minha mãe, será da família?

Sobre Tolkien: Tenho um amigo que está lendo Senhor dos Anéis (volume único) e, vejam só, ele é tão testudo quanto o Cristopher Lambert.

: )

OBS: Diego, no seu casamento vai ter brinde?

: )

Gilson Rocha disse...

Vi esse com o "Who wants to live forever?"

Gilson

dklautau disse...

hahahahahhaha.
Podemos fazer o brinde sim meu caro irmão filho de gaia!
Espero vocês!!

dklautau disse...

Sabe, acho que gostei do roteiro do Neil Gaiman do Beowulf coma angelina jolie. Perdeu um pouco o tom épico, mas ficou mais trágico. Valeu a pena mais ou menos.

Postar um comentário