25 de abril de 2010

Verdade, Estórias e Role Playing.

Verdade, Estórias e Role Playing.


Escrever uma tese de doutorado é a arte de se aborrecer. Os motivos secretos e revelados das pessoas que se decidem pela carreira acadêmica são tão misteriosos quanto a realidade que a academia tem a pretensão de investigar. Desce Platão que fundou a Academia no século IV a.C. até hoje, com as indexações de qualidade e mecanismos de classificações do MEC e de ranking de cursos e programas de pós-graduação, a academia mantém seu fundamento na investigação da verdade.

Quando falamos verdade, o arrepio que a sensibilidade democrática prega hoje dispara de forma gritante. Todos sabemos que a verdade depende do ponto de vista, que cada tem a sua verdade, que tudo depende de quem está envolvido em que discussão sobre que assunto. Enfim, a única verdade é o contexto.

A escritora norte-americana Bárbara Herrnstein Smith, em seu livro Crença e Resistência,(1997) demonstra claramente que a afirmação da verdade é resultado do processo de evolução no humano. Em chave darwinista, mostra como desenvolvemos a capacidade de pensar, e produzir linguagem, e assim toda uma frente nova no processo adaptativo se abre. Precisamos de uma noção definitiva para continuarmos a pensar e viver. Como linguagem, nosso pensamento afeta nosso comportamento e nossas ações. A verdade em si mesma não existe. Existe apenas a necessidade humana de conceber algo como verdadeiro. A verdade é que precisamos inventar a verdade.

Essa concepção entre verdade e necessidade é a natureza humana. A verdade não é um instrumento de opressão por pessoas com vocação totalitária. È forçoso admitir que de fato muitas vezes sob a égide da verdade foram realizadas ações cruentas e sanguinárias. Mas também sem esse adorno da verdade a humanidade realizou massacres; Pessoas matam por muitos motivos. Ditadores mutilam e não gostam de quem diz a verdade. A verdade também já foi bandeira de muitos rebeldes contra regimes políticos. A verdade, como a humanidade, é contraditória e de difícil apreensão.

Não apenas em âmbito político que encontramos a verdade. Alguém que descobre que está com AIDS ou câncer, percebe que a verdade é algo muito concreto que ultrapassa uma dimensão psicológica e lingüística. Um avião voando na direção de um prédio vai arrebentar o prédio. Isso é verdade. A ciência, filha da filosofia na busca da verdade, está do lado da democracia, filha da filosofia, em sua gestão no mundo moderno. A verdade é o que nos faz andar.

Existe uma forma de viver a verdade no Role Playing? Que verdade é essa?

O escritor brasileiro Olavo de Carvalho, em seu livro Aristóteles em Nova Perspectiva (1996) retoma o pensamento do grande filósofo grego. E apresenta sua teoria dos quatro discursos. Entre a dialética (afirmações e negações de uma matéria), a retórica (produzir convencimento a uma argumentação), a analítica (ou lógica, capacidade impor uma tese a determinada idéia de forma inquestionável), existe a arte poética. Todos esses discursos em Aristóteles, diz Olavo de Carvalho, são formas de buscar a tão conturbada verdade.

Assim, na Arte Poética, Aristóteles fala que a poesia pode revelar mais verdade que a história, justamente porque a poesia fala do universal, numa criação que abarca e pode ser identificada com a humanidade (o herói possui a justiça e a heroína a beleza enquanto realidades universais), enquanto a história fala do particular, aquela pessoa, aquele evento (conta-se a história de Alexandre, de Leônidas de Sócrates). Hesíodo, poeta grego do século VIII a.C., fala em sua Teogonia, poema que fala da criação dos deuses, que inspirado pelas musas ao escrever seus poemas, escreve que as musas podem falar verdade e mentira. Cabe ao poeta distinguir entre elas.

Em nosso Role Playing, a diversão é o fundamento. É um jogo em essência. Porém, o divertimento acontece sempre através da criação de estórias. Estórias que carregam sempre uma tensão entre os movimentos psicológicos de cada integrante do grupo, jogadores e mestre, e entre a verdade dessas exigências universais que são objetivas, que extrapolam movimentos psicológicos e contextuais do jogador em particular. A poética verdade fala ao universal.

Essa é a criação poética que acontece nos jogos. Que podem ser sátiras, elegias, comédias, tragédias e épicos. A profundidade com que isso acontece e a repercussão das palavras em cada indivíduo sempre possuem determinações complexas. A verdade existe mesmo que, como a realidade nos mostra, seja sempre complexa.

3 comentários:

Hugo Marcelo disse...

Oi Diego,

Muito bacana seu texto.

Hugo Marcelo

dklautau disse...

Grande hugos. Obrigado pela presença.

Gilson Rocha disse...

Muito interessante!

Gilson

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