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Repulsa. Uma definição justa para o cenário que contemplava. Ele ouvira boatos sobre aquela vila durante sua infância: todos marcados pela simplicidade que brotava do coração de seus habitantes e pelo modo de vida campestre que caracterizava sua economia. Telindyr, incrustada no epicentro de um vale de abetos, já servira como entreposto comercial entre duas grandes cidades: Werlintown, ao norte, e Dalahvar, a sudeste. Um local tão pacato e alheio à civilização que talvez seus habitantes acreditassem que permaneceriam eternamente protegidos das intempéries que fustigavam aquele mundo penurioso que emergira com a ascensão de Helladramus.
O solitário viajante, contudo, não pôde deixar de sentir um calafrio ao pisar aquele solo e inspirar a podridão que pairava em cada porção de brisa, cada soprar da lúgubre atmosfera que o circundava. A trilha principal percorria o interior do pequeno vilarejo e, como chovia levemente naquele início de gris manhã, material pulverulento aglutinara-se em demasia pelo caminho, formando uma interminável camada de lama. Completando o cenário funesto, diversos corpos e sangue coagulado esparramavam-se pelo chão, como uma alegoria grotesca de uma recepção premeditada. Antes de prosseguir, Kassius leu a placa mortuária colocada na entrada do vilarejo e não se sentiu bem-vindo. De fato, ele não esperava ter de passar mais tempo ali que o suficiente para arranjar comida e descansar um pouco, pois, nos próximos dias andaria mais cem quilômetros até as ruínas de Werlngtown. Diante da situação, ele necessitava de um plano alternativo ou muita sorte.
Pelo número de casas que contou rapidamente enquanto caminhava, o paladino especulou que o povoado não deveria conter mais de duzentos habitantes. As casas, em sua maioria, construídas com argila endurecida, telhados de palha seca e cortinas coriáceas serviram perfeitamente de foco para incêndio provocado pela súcubo dias antes. Ele notou também diversas pegadas espalhadas pela rua e imaginou o terror que se espalhou pela vila quando da chegada súbita da criatura. As portas entreabertas de algumas casas e os olhos desesperados das vítimas em fuga provavam isso. Mais à frente notou uma habitação diferente das demais, milagrosamente intacta ao ataque. Seu portão de madeira de lei e a aldrava de aço polido que pendia desamparada à meia altura denunciavam certa pomposidade. A estrutura era formada por imensos blocos de pedra sobrepostos, janelas circulares e possuía dois pavimentos. Uma pintura rústica no ponto mais alto da fachada - uma espigueta de centeio - tirou as dúvidas de Kassius imediatamente: uma abadia do “Senhor da Colheita”, Lavirus. Nem tudo estava perdido, pensou Kassius.
- Se eu fosse você, não entraria aí!
O paladino virou-se repentinamente, desembainhando a espada como um raio. Não havia captado a aproximação de quem quer que fosse.
Olho no olho.
O anão calvo, de barba espessa e barriga sobressalente carregava um enorme machado de duas lâminas nas mãos. Sua postura era boa, apesar do peso da arma; seus bíceps, definidos e treinados. As botas pretas de cano alto, adaptadas para caminhar naquele lamaçal pernicioso, deixavam-no menos ameaçador. Seus olhos continham suspeita.
- Um paladino de Uther? – retrucou o anão, fixando sua atenção no pingente do colar no pescoço do outro: a balança dourada da justiça.
Kassius meneou a cabeça, confirmando.
- Pensei que todos da sua estirpe haviam tombado em Peldran, há oito anos.
- Eu teria lutado se tivesse idade suficiente à época. – Kassius tirou o elmo com a mão livre e mostrou sua face imberbe. As gotículas da fina chuva tocaram seu rosto juvenil.
- Se alguém tivesse me contado eu jamais teria acreditado! – ressaltou o recém-chegado, ainda embasbacado. – De qualquer jeito, se você foi mandado aqui para salvar este povo da desgraça, está imensamente atrasado, rapaz.
- Proteger este vilarejo não fazia parte de minha missão, entretanto, inevitavelmente o destino me trouxe até aqui. Chamo-me Kassius Kendril.
- Então, suponho que você saiba o que aconteceu aqui, digo, o que atacou este vilarejo.
- Sim.
- E você deve estar se perguntando neste exato momento o que um anão está fazendo em Telyndir, como sobreviveu e porque sugeriu que você não entrasse no templo de Lavirus. Certo?
Kassius não pôde negar o óbvio.
- Chamo-me Borgaar e se você não se incomoda, antes de eu responder suas perguntas e de lhe fazer as minhas, gostaria de sair desta chuva. Algum problema?
Kassius guardou a arma. Por mais que ainda suspeitasse das verdadeiras intenções do anão, estava faminto e cansado demais para um combate direto. Ademais, estava curioso para conhecer um pouco mais de seu adversário. Sem dúvidas, um veterano guerreiro.
O anão abaixou do machado, captando a mensagem.
- Siga-me, eu conheço a única espelunca que vendia uma bebida agradável neste lugar.
Assim foi feito.
Continua...
Autor: Diego Reymão Moreira, Belém - PA.
Contato: diegomusta@hotmail.com
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Nós do RPG Pará gostariamos de agradecer o Diego Moreira por ter participado mais uma vez do espaço "RPG Pará e você! Tudo Haver!".
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