10 de julho de 2011

RPGCON, memórias e maturidade

RPGCON, memórias e maturidade


Nesse sábado dia 09 de julho, feriado aqui em Sampa, fui no rpgcon. Primeira vez que fui no rpgcon, apesar de morar em São Bernardo, área metropolitana de São Paulo. http://www.rpgcon.com.br/

Fui rápido, cheguei por volta de meio dia e saí às 15:30. Como não vou voltar no domingo, resolvi deixar algumas impressões aqui com vocês.

Tinha muita coisa acontecendo em termos de palestras, grupos de jogo e exposições. Um evento que misturava simpósio acadêmico, sarau literário e teatral e feira de jogos. Uma mistura que pode definir bem o rpg.

Entre salas com palestras desde: "como produzir seu próprio rpg e se dar bem";"ufologia e rpg"; "zumbis reais e fictícios", passei entre exposições de armas medievais, jogos de tabuleiros, roupas antigas, editoras consagradas e independentes e muitos, muitos grupos de jogos.

Neste relato de viagem, decidi alongar três situações que marcaram minhas impressões no rpgcon. Como disse, não pretendo fazer relatórios de participação de eventos. Já tenho problemas demais com a Capes. São apenas impressões pessoais.

A primeira foi meu feliz encontro com Jaime Cancela e Maria do Carmo. Amigos já alguns anos, sempre fico feliz em os encontrar num evento de rpg. Parece sempre que vim ao lugar certo. Diante de tantos personagens um tanto esdrúxulos no rpg, caras prepotentes e cheios de vaidade, e ao mesmo tempo malucos rasos o suficiente para me deixar entediado, a presença desse casal elegante e autêntico sempre me deixa a certeza de que as motivações que me levaram, e me mantêm, no rpg são válidas. Peguei algumas dicas de criação de filhos bebês com a Maria do Carmo.

Seu site atual http://www.metagamers.com.br/ , além de fazer uma discussão mais madura sobre vários aspectos do nosso tão afetuoso rpg, faz uma cobertura muito bacana, em tempo real, do evento do rpgcon. Vale a pena dar uma olhada.


Outro ponto foi a conversa que tive com o pessoal da Toca do Hobbit http://www.toca-sp.blogspot.com/ . Como fiz meu mestrado e faço meu doutorado sobre o pensamento de Tolkien, pensava nesse fã clube, um dos mais antigos e respeitados no Brasil, reconhecido pela Tokien Society, como um fórum de acadêmicos solitários, como eu.


Uma bobagem. Não que falte conteúdo, porque tive uma pequena aula de quenya e discutimos alguns filmes, além de poder comprar marcas páginas com meu nome, da minha mulher e da minha filha em quenya escritos na hora numa bela caligrafia, pude comprar deliciosos pães lembas, feitos em chocolate e canela.

A bobagem de minha parte foi esquecer porque sou apaixonado pela terra-média. O pessoal da toca se reunia para simplesmente celebrar a amizade, a confiança e a vida em família, se aventurando na difícil arte de ser gente grande com o coração ainda com disposição de viver a vida com alegria e companheirismo. Antes de uma bobajada acadêmica de minha parte, deixei me levar pela conversa leve e profunda de um oásis de boas vindas numa terra inóspita como São Paulo. Comprei até uma camisa com a estampa da porta de moria para minha mulher. Talvez eu vá na próxima festa hobbit que vai rolar esse ano, conforme anunciado no blog.

Por fim, tive a grata surpesa de conhecer, no estande do Tagmar, o Marcelo Rodrigues, um dos escritores do primeiro rpg brasileiro, publicado em 1991. Descobri que é um paraense, de Belém, embora tenha sido criado no Rio de Janeiro.

Confesso que fiquei emocionado de ter conhecido um dos autores do rpg de fantasia medieval que eu mais joguei na minha adolescência. Conversamos longamente e ele me explicou a história do jogo, sua confecção e composição, as influências, a história da GSR, a editora que publicou o Tagmar, como essa editora encerrou as atividades em 1997 e como o Tagmar ressuscitou desde 2004, com a internet realizando contatos, fãs e grupos de jogadores. Daí o lançamento do Tagmar II, http://www.tagmar2.com.br/ , de distribuição gratuita e ampliação de cenário, personagens e contos baseados no universo.

Nessa conversa, minha memória percorreu os anos 90 e meu contato com o rpg desde 1991. A experiência de jogos com Tagmar foram intensas, grupos de jogos que vivemos épicas aventuras. Foi nessa década que li Tolkien, e todo meu extravasamento criativo de inspiração da terra média foi realizada no mundo de Tagmar. Meu contato com o D&D foi bem mais tardio e bem mais rápido. Tagmar é de fato minha referência mais primordial de rpg de fantasia medieval.

Falei para o Marcelo, um cara de 46 anos hoje, que em 1991 era um moleque de 26 anos, de como o Tagmar foi importante na minha vida inclusive. Uma das motivações de querer ser professor de história e de mitologia foi o Tagmar. A resposta dele, de depois da decepção com a editora, querer voltar a vivenciar esse mundo de publicações de rpg, foi justamente no mesmo caminho. O rpg nos dá um sentido, um significado de grandeza, de contemplação, de virtude, que o opaco mundo contemporâneo, de tão devassado e estéril, não consegue nem simular.

Agradeci a ele no final, por seu trabalho ter me feito pensar tão seriamente, e comprei as impressões de Tagmar II que ele vendia, a preço de custo, apenas para divulgar seu trabalho. Comprei um exemplar de tudo que ele estava vendendo.

Ainda que tristemente sejam poucos os que conseguem viver de rpg no Brasil, os que insistem em continuar a trabalhar com ele, e com seus significados, são exemplares. Mesmo amadurecidos, com responsabilidades profissionais, familiares e públicas, aqueles que ousaram viver a fantasia são admiráveis. Não porque são peters pans infantilizados com complexos de negação de sua necessária maturidade. Mas porque atravessaram a ridícula idéia de que ser maduro é ser amargo, e se permitem viver não uma ilusão inútil, mas uma fecunda segurança dos significados que fazem a vida valer a pena.

Ir no rpgcon me fez bem. Uma experiência de encontro com minhas memórias, minhas motivações. Fiquei pouco tempo, talvez porque já soubesse que eu já carregava todos aqueles mundos fantásticos e sombrios, aqueles seres terríveis e esplêndidos, épicos e trágicos, em minhas mil vidas no rpg. Voltei da aventura, com os troféus para minha filha e minha mulher. Voltei para casa depois de ter atravessado além do tempo e mais longe que o espaço.

Agora, me resta meditar sobre tudo isso, e pensar em quanto tempo terei que esperar para levar minha filha para o próximo rpgcon, e apresentar a ela todas as portas para todos os mundos que a imaginação mais indomável pode levar.

9 comentários:

Fabi Dias disse...

Obrigada pela camiseta, adorei! O lembas também estava bom, a Diana também gostou... pena que não me nutriu pelo resto da jornada...rs...
Que possamos sempre viver a "fecunda segurança dos significados que fazem valer a pena" (ficou bonito isso!). No próximo ano, o clã estará completo. Bjs

talude disse...

Acho que cheguei a ver um pouco do papo de vocês. Há muitos historiadores (que, aliás, me tornei há pouco) por culpa, nem que seja de uma parcela, por causa do RPG.

O bom é que o sistema do Tagmar II não sofreu tantas alterações em relação ao primeiro Tagmar, apesar que está muito mais simplificado e com mais opções. Você vai se sentir muito mais nostálgico com essa versão. E o Marcelo Rodrigues é uma pessoa finíssima! Aliás, ele estava com o filho dele lá também

André Mousinho disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
André Mousinho disse...

Quero deixar aqui meus mais sinceros agradecimentos ao autor por nos brindar com esse belo texto que, ao menos para mim, que estava louco para ir a um evento desse porte mas não pude por motivos de força maior, propiciou alguns minutos de deleite, um passeio por um dos mais belos aspectos que é o RPG atualmente - especialmente para os mais "velhinhos" (daqui a três anos entro na casa dos "enta", então considero-me também um "old player"...).

Um fato interessante que pude notar (e concordo) é que, aos poucos, o jogador brasileiro parece dar uma resposta à bi-polarização pasteurizada que envolve Devir e Jambô. Ponto positivo para o senso crítico dos players, que apostam em material alternativo e ajudam a aquecer as vendas de editoras de menor porte que, graças, estão proliferando por aí. Isso é extremamente importante para o hobby: produtos diferentes, regras diferentes. Não é só com CA que um personagem se defende. Não são apenas Talentos ou Feitos que definem suas capacidades combativas.

Vida longa ao que é diferente! Vida longa ao senso crítico, a dados que não possuam apenas 20 faces e a iniciativas editoriais "indies" cuja coragem encontra similar apenas nos protagonistas dos mais belos poemas épicos!!!

André Mousinho disse...

E antes que alguém venha atirar pedras, quero dizer que compro e já comprei produtos da Devir e da Jambô - não as estou "trollando"; apenas pontuando o quanto a produção indie é importante para o mercado, e que ela está, de fato, configurando-se como um grande "boom" rpgístico no Brasil, nestes últimos anos. E que essa produção continue crescente!!!

Ana Fiori disse...

Que bacana, Diego. Pena que eu não os verei. Decidi ir ao evento apenas hoje. Beijos para você, Fabi e Diana

Hugo Marcelo disse...

Oi Diego,

Muito bacana seu texto.
Infelizmente não pude ir ao evento, mas ler sua postagem me deu "saldades de tudo aquilo que ainda não vi"...

Um grande abraço,

Hugo Marcelo

Jaime Daniel disse...

Salve!

Puxa, depois dessas palavras, me sinto O cara...

Diego, sempre é bom ver vc, da próxima espero que conversemos mais.

Abçs e ótimo post! (mesmo falando de mim) XD

Eder Cruz disse...

Diego, estes dois trechos do seu post me sensibilizaram porque me "reconheci" na sua descrição.
"se reunia para simplesmente celebrar a amizade, a confiança e a vida em família, se aventurando na difícil arte de ser gente grande com o coração ainda com disposição de viver a vida com alegria e companheirismo"

"a ridícula idéia de que ser maduro é ser amargo, e se permitem viver não uma ilusão inútil, mas uma fecunda segurança dos significados que fazem a vida valer a pena."

Belo post.

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