23 de janeiro de 2010

Criando Deuses - Parte II

VOANDO TÃO ALTO QUANTO O CÉU...

Mergulhando no desenvolvimento cosmológico de seu cenário fantástico, já falei sobre deuses e sobre a própria criação. É claro que o tema viaja muito mais que isso, e agora irei a um ponto que muitos preferem deixar em branco na criação, para ser explorado mais adiante, ou mesmo ignorado totalmente. Se existe algo como uma linha de evolução espiritual, mais cedo ou mais tarde os seres se erguem dentro dela, e podem até mesmo alcançar o poder divino. A isso damos o nome de ascensão, e existem muitas maneiras de lidar com ela em seu cenário.

Acho importante começar explicando que se trata de uma perspectiva que muitos criadores não adotam. Embora seja interessante pensar nos deuses como mortais que foram além dessa condição, vários cenários optam por deuses fixos, cuja relação com o local da campanha sempre se deu de cima pra baixo. Nesse caso, por que perder tempo apenas dentro desse tema? Ora, como vocês perceberão, o simples fato de mortais terem alçados à condição divina é um elemento suficientemente importante para mudar toda a concepção do cenário que está sendo criado.


ASCENSÃO ATRAVÉS DA FÉ

Uma das formas mais comuns de abordagem para esse assunto é a ascensão através da fé. Depois da morte, ou mesmo durante a vida, um indivíduo que poderíamos qualificar como notável começa a atrair seguidores, que depositam confiança verdadeira nele. O passo seguinte é a transformação dessa energia em pura fé, que é então canalizada ao espírito, que poderá ascender à condição divina, na medida em que passa a ser realmente adorado por aqueles que vivem no cenário. É claro que, quanto maior o número de seguidores da divindade, maior a energia canalizada, e maior seu poder pessoal.

Num cenário como esse, a quantidade de seguidores que um deus possui é realmente importante, garantindo sua existência plena. Um deus cujos cultos sejam perdidos ou aniquilados cairá drasticamente em poder, podendo ser considerado pouco mais que um espírito de alto grau. Por isso, é natural que os deuses aqui intervenham com o cenário de campanha; senão para outras coisas, pelo menos para garantir a proliferação de sua fé através de grupos de seguidores que são beneficiados com suas intromissões no plano material.

O poder acumulado é uma forma que os deuses possuem de imporem seu poder em relação aos outros deuses, então é natural que aqueles por trás das maiores religiões figurem no topo das pirâmides, muitas vezes servidos por deuses menores, que não podem garantir por eles mesmos sua própria manutenção, muitos menos a de seus cultos.

Num cenário em que a importância dos deuses está diretamente relacionada à sua capacidade de fazer com que as pessoas creiam neles, determinar as formas possíveis de intervenção divina é algo importante (sim, discutiremos mais sobre a própria intervenção divina numa outra oportunidade).


PODER: UMA FORMA SIMPLES DE ASCENSÃO

Em alguns cenários, os mortais podem chegar a se tornar deuses por seu simples mérito, ao atingirem uma quantidade tão enorme de poder, que quebrem a balança original do mundo, ponto a partir do qual alcançarão à condição divina, normalmente passando por um evento que sirva como o marco para uma transformação do paradigma cosmológico. Mas que evento deveria ser esse?

Bem, temos alguns aos quais podemos recorrer, mas não vejo um exemplo mais simples do que a morte de outro deus. Esse é um momento que pode não significar nada para muitos mortais, mas talvez um deles já seja uma criatura extremamente poderosa, e de certa forma consciente do que acontece no mundo acima dele. Assim, ele poderá sentir a morte divina, e talvez ascenda para preencher a lacuna deixada pela entidade morta.

Os mortais têm poder contra os deuses? Se a resposta para o seu cenário for sim, então não seria estranho que um deles, extremamente poderoso, se erguesse contra uma entidade divina para roubar-lhe o poder e se tornar ele próprio um deus. Forgotten Realms[2], um dos cenários de fantasia mais populares do mundo, deve um de seus maiores cataclismos a um evento semelhante.

[2] Forgotten Realms (Reinos Esquecidos) é um cenário de campanha com grandes heróis, terras com magias e monstros inimagináveis, mistérios e grandes perigos.

Um outro ponto a se pensar é se existe realmente uma separação entre a condição mortal e a divina. E se os seus deuses não passam de mortais muito poderosos? Essa aproximação destoa da proposta mais aceita pelos cenários de fantasia tradicionais, principalmente se pensarmos que um mortal, por mais poderoso que fosse, não poderia garantir poderes àqueles que optassem por segui-lo. Se optar por essa aproximação, estará realmente mudando a cara da fantasia típica, criando um mundo em que qualquer um pode vir a ser reconhecido como um deus, mas em que sua real influência sobre os aspectos que ele supostamente governa é mínima. Interessante? Com certeza!


O MARCO DA ASCENSÃO

Ok, o deus que você tem em mente não estava lá no início, não foi objeto da fé alheia, e nem foi um mago extremamente poderoso. É possível, ainda sim, que ele se torne uma entidade divina? Sim, através do que chamamos de Marco da Ascensão. Um local, evento, ou objeto que carregue um valor sagrado importante, através do qual é possível alcançar a condição divina.

Na cidade perdida de Lancaya, o cálice do sangue divino espera por aqueles bons o suficiente para chegar até lá. Aqueles que beberem o sangue dos deuses, assim como eles, serão levados à condição divina. E se um grupo de aventureiros, por pura sorte, acabar caindo em Lancaya, onde compartilharão da essência ancestral da divindade? Esse é um exemplo bem clichê, mas que exemplifica com perfeição o que pode vir a ser o Marco da Ascensão. Eu poderia dar muitos outros exemplos, mas você provavelmente saberá o que funciona ou não para o cenário que está criando.

O que vai ser o marco? É importante que ele esteja em sintonia com a proposta do seu cenário. Você pode, durante o processo de criação, deixar alguns deles prontos, esperando que os jogadores se encontrem com suas lendas, fiquem curiosos, e partam atrás deles. Ou você pode fazer com que sejam coisas aparentemente inócuas, nas quais alguém poderia esbarrar, sem jamais tomar conhecimento da verdadeira natureza delas. A primeira aproximação, no entanto, se dá muito melhor com o gênero épico que permeia a maior parte das campanhas de fantasia.


COM GRANDES PODERES, GRANDES RESPONSABILIDADES!

Como reagiria à sua própria ascensão um novo deus? Nem sempre ele vai estar preparado, e talvez demore a reconhecer sua nova condição, principalmente se pensarmos que nem sempre a inteligência divina e onisciência estão incluídas no pacote. Sem dúvida, os resultados podem ser catastróficos para um cenário de campanha, mas para você, o criador, eles representam apenas mais detalhes interessantes com os quais é possível trabalhar!

Construindo em cima disso, é possível criar efeitos importantes da ascensão à divindade nos momentos históricos e no comportamento social das criaturas que habitam o seu cenário de campanha. Esses são temas muito relevantes, que poderemos tratar mais adiante, em outros artigos.

Quanto à ascensão, acredito que se trata de um assunto que podemos apenas pincelar. O significado que é possível dar a ela em seu cenário é uma coisa opcional e pessoal, que passa pelo gosto de cada criador. Encima do que já foi dito aqui, existe muito que pode ser pensado e criado.

Continua...

Autor: José Kleibe Souza Silva (acadêmico de pedagogia - UFPA), Altamira - PA.

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Nós do RPG Pará gostariamos de agradecer ao Kleibe por ter mais uma vez participado do quadro Colaborador Eventual do RPG Pará. Aqueles que também estiverem interessados em participar desse espaço e publicar suas idéias e outras coisas mais sobre RPG, deverão seguir as orientações no seguinte link: Colaborador Eventual do RPG Pará.

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