Como vamos fazer um evento sobre Rastro de Cthulhu no mêsque vem, e vou narrar uma sessão (além de organizar alguns debates sobre horror lovecraftiano), decidi criar uma aventura Cthulhesca local, ambientada em minha própria cidade, Belém, em 1930. As lendas indígenas, artesanato marajoara e relatos sobre antigas expedições ao amazonas me forneceram tantas idéias quanto pude precisar. Quem me conhece sabe que eu espero o dia em que um Grande Antigo vai sair do fundo da Bahia do Guajará e devastar a cidade – vide a logomarca do RPG Pará, ai em cima :)
Bem, precisa de pelo menos 3 elementos pra se criar uma boa história
lovecraftiana:
1) Um Lugar Sinistro,
nos anos 30;
2) Um Mistério Sobrenatural indecifrável e
3) Investigadores com destinos pouco otimistas.
Comecei uma pesquisa simples, pela internet, achei várias
imagens e histórias interessantíssimas. Me envolvi tanto com o clima de horror
de Belém na década de 30, que precisava ir ainda mais fundo no histórico da cidade.
Acabei visitando o CODEM/PA (Companhia de Desenvolvimento Metropolitano do Pará) onde pedi pra ver e fotografar os
mapas metropolitanos e também do arquipélago marajoara, dos anos 30. O rapaz que me atendeu
fez uma cara terrível, como se eu estivesse brincando com ele, quando percebeu que era sério, me perguntou se era pra
um trabalho acadêmico, eu disse que não, que era só uma pesquisa livre,
curiosidade de um cidadão belenense, ele me olhou ainda mais estranho, como quem tivesse encontrado um
doido varrido – se eu dissesse que era pra fazer uma aventura de RPG, ai que o
negócio ia ficar difícil de entender mesmo (ahauahuah) ou então era melhor dizer logo
que era um trabalho acadêmico e evitar tantas indagações.
Fui
encaminhado para uma moça (jovem e disposta a ajudar), mesmo assim não consegui
de primeira, algumas outras pessoas, bem mais velhas, superiores a essa moça,
e com verdadeira paixão por procedimentos burocráticos, não estavam tão dispostas assim. Voltei lá mais 2 vezes, a segunda foi fora do
expediente de atendimento ao público, entrei pelos fundos... Consegui
encontrar a mesma moça de antes (ainda disposta a me ajudar), e ela me levou para o interior do prédio,
onde me forneceu tudo que precisava.
Ah, antes que pensem que eu sou algum ninja ou ladino, não foi uma atitude ilícita ou
furtiva, mas, dessa vez, ninguém atravancou o processo. Também não entrei
pelos fundos como um gatuno, não tenho habilidades pra isso (mau consigo correr a distância de um poste pra outro sem cansar ou cair, hehehe). Entrei
como visitante, com autorização do guarda da portaria – que, por pura coincidência, é um
amigo meu, baterista de uma banda de rock local. Mesmo assim, vou preservar o nome dos
envolvidos.
Depois da visita, comecei o processo de montagem das fotos,
no photoshop. Fotografei vários pedaços pequenos dos mapas e depois montei tudo,
queria que a escrita e desenhos de José Sydrim (autor do mapa e excelente
desenhista – na época os mapas eram desenhados a mão, com réguas e lápis.
Computador é pra fracos!) ficassem com o máximo de nitidez possível (dando um
zoom nos mapas, vão perceber que é possível ler o nome das ruas, mesmo com a
letrinha miúda - claro que antes é preciso baixá-los em alta resolução).
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Complexo do Marajó+Montagem com artesanato e fotos interessantes. |
Download do Complexo do Marajó, em alta resolução: http://www.4shared.com/photo/edbBA28A/Mapa_Arquiplago_do_Maraj_Horiz.html
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Belém, 1930+Montagem com fotos de locais relevantes pra aventura e artesanato. |
Download de Belém: 1930, em alta resolução: http://www.4shared.com/photo/69pdX1Mq/Mapa_Belm_com_fotos_Horizontal.html
Já tinha um material raro nas mãos, coisas que provavelmente
um estudante de história ficaria bem interessado, mas ainda não era o bastante
pra uma aventura lovecraftiana, faltava um outro elemento, o mais importantes
de todos: o Mistério Sobrenatural.
Li sobre as expedições promovidas pelo Dr. Evandro Chagas
na região amazônica, algumas delas realmente assombrosas em lugares
assustadoramente exóticos pra qualquer cientista do sudeste do país que
estivesse visitando as entranhas da selva amazônica, como era o caso. Decidi
que o mistério viria exatamente disso, de algo que alguma dessas expedições traria pra
cidade. Mas... o que?
Buscando o elemento sobrenatural, fui pesquisar sobre os povos indígenas da região, comecei
pelo óbvio: lendas amazônicas. No entanto não achei nada que se encaixasse no
que queria (não desmerecendo os assustadores e letais monstros amazônicos:
mapinquaris, caiporas, curupiras, cumacangas etc).
A epifânia veio quando comecei a ver o
artesanato indígena da época, sobretudo da tribo Nheengaíba, nativa da Ilha do Marajó,
me deparei com algo muito interessante, alguns dos desenhos da tribo,
em cerâmica, árvores e até no próprio corpo, com um pouco mais de imaginação pro horror,
poderiam muito bem serem criaturas lovecraftianas retradas por povos amazônicos... Ai a cabeça disparou, Eureka!
Bingo! Shazam! Bazinga! Difícil foi escolher uma das inúmeras coincidências visuais
que encontrei entre os desenhos Nheegaíbas e os Mythos de Cthulhu,
afinal, seria apenas uma oneshot, e uma só criatura seriam mais do que o suficiente
até para uma campanha lovecraftiana.
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Relação visual entre desenhos Nheengaíbas e os Mythos |
***
Por curiosidade, a palavra Nheengaíba, traduzindo do Tupi, é uma junção de duas outras palavras:
1) Nheeng, significa "Falar" ou "Comunicar " (daí vem a expressão "Nhem-Nhem-Nhem" que usa-se pra se referir ao fala-fala desinteressante de algumas pessoas. Os índios falavam isso para os colonizadores quando não entediam ou não se interessavam pelos insistentes discursos que os estrangeiros faziam a seu povo).
2) Aíba, significa "coisa má", "coisa feia" ou "coisa ruim". Por exemplo, a palavra "Paraíba", nome do estado brasileiro, significa "Rio Ruim" ou "Rio Feio" [ Pará (rio) + Aíba (coisa ruim ou feia)].
Obviamente, pra se encaixar mais na atmosfera que queria, traduzi livremente Nheengaíba como "Porta-voz do mal". Muito a calhar, né?!.
***
Pronto, já tinha dois dos três elementos lovecraftianos que
precisava, um Lugar Sinistro e o Mistério sobrenatural, agora faltava apenas mais
uma coisa: os Investigadores.
Criar os investigadores foi a parte mais fácil, mas confesso
que a versão do sistema Gumshoe pro Rastro de Cthulhu (acho que o Kenneth Hite
exagerou) ficou complicada onde não precisava: na distribuição dos pontos de
habilidades. Não é bem uma super complicação – quem está acostumado com D&D
ou GURPS, nem vai notar - mas ficou
desnecessário tantos procedimento em relação a distribuição dos pontos, poderia
muito bem ser tudo mais fácil (ainda mais pra mim, que gosto de minimalismo).
Pra dar mais profundidade aos personagens, usei
como referencia pessoas históricas da cidade, ligadas a lugares também históricos.
Obviamente, mudei alguns nomes e adicionei backgrounds perturbadores (pra um
jogador local, usar elementos locais ao pé da letra, poderia tornar tudo meio
cotidiano demais, e um jogo no universo de Lovecraft não pode ser nada cotidiano -
muito menos otimista).
Mas... valeu a pena ter essa trabalheira toda pra uma
oneshot? Sim, sou compulsivo, inquieto e não consigo ficar apenas no “eu acho”
(hehheheh). Mas curti tanto o trabalho de pesquisa, que, quem sabe em breve, se
conseguir licença pro sistema Gumshoe (que tem tudo haver com a atmosfera que
queria pra uma Belém dos anos 30), com um pouco mais de trabalho, escrevo um
jogo completo sobre minha cidade – cheia de elementos sobrenaturais regionais,
é claro.
***
A seguir, as fichas prontas dos investigadores (as fotos usadas nas fichas de personagens, infelizmente, não são de cidadãos locais, as que encontrei estavam danificadas demais pelo tempo, e precisariam de um trabalho de restauração minucioso. Como não tinha tempo pra isso - o que não significa que em um futuro próximo não possa fazer - acabei catando o que encontrei na web). É só clicar para ampliar:
Ah, e depois do evento posto a aventura completa aqui, pra
download. Ela vai se chamar: A Coisa do Outro Lado da Mortalha.
John Bogéa
@johnbogea
19 comentários:
Ééééé....já sei em qual mesa eu vou jogar. XD
Bazinga! Pohada, esse teu circuito aí pareceu uma aventura de rpg, pra fazer uma aventura de rpg auhasuhsa :'D. Pow eu devia ter pensado nisso antes. a amazonia tem mesmo muita coisa esquisita que me deixa de cabelo em pé .-. John Cowboy
Bacana! Parabéns!
Gilson
Nossa, excelente trabalho de pesquisa e conclusão. Já estou ansiosa para ler a aventura completa. [já que não poderei está presente no dia :(]
Parabéns.
"As efabulações sobre temas mundanos e o lugar-comum não satisfazem as mentes mais criativas e sequiosas de novos estímulos" Lovecraft.
Caracas ficou show!
Ficou realmente sensacional!
John, gostaria de saber se você permitiria a reprodução desse artigo no meu Blog, o Mundo Tentacular (que trata especificamente de jogos ligados aos Mythos de cthulhu)?
É o tipo de material que deixaria os leitores de queixo caído.
É claro, darei todos os créditos ao autor original.
Obrigado a todos.
Mariana, roubei a citação pro meu perfil, ela é sensacional.
King in Yellow, claro que pode reproduzir, fique a vontade, vai ser uma honra, sou frequentador do Mundo Tentacular.
Obrigado a todos.
Mariana, roubei a citação pro meu perfil, ela é sensacional.
King in Yellow, claro que pode reproduzir, fique a vontade, vai ser uma honra, sou frequentador do Mundo Tentacular.
Obrigado John, já está lá.
Não esqueça de tirar fotos do evento de Rastro de Cthulhu na Saraiva. Com certeza vai ser imperdível!
Valeu, vou fazer fotos sim, a gente sempre faz relatos depois dos eventos. Eu vou fzer um especial da minha mesa.
Adoraria que essa citação fosse minha, mais é do Lovecraft huehueheueheuehue [então não fico chatiada que tenha "roubado" :P]
Tambem coloquei essa sitação no meu perfil xD
"A emoção mais antiga e mais forte da humanidade é o medo, e o mais antigo e mais forte de todos os medos é o medo do desconhecido." Lovecraft
Então vamos jogar "A Coisa do Outro Lado da Mortalha" lol
Essa Antonieta Pinho me deu medo! Hehehe!
Tu já tava dando era em cima da menina seu safado !!! ;)
Parabéns pelo fôlego de pesquisa empreendido. Acho que as aventuras melhoram muito quando conseguimos envolver os jogadores. Pra mim é estranho narrar sessões que se passem em Nova York para quem nunca esteve lá (meu caso). Enfim, você demonstrou como os Mythos podem se adequar a realidade tupiniquim perfeitamente. Agora fico aguardando por mais aventuras assim.
Cara, eu tinha achado o modelo de ficha que você usou muito bacana, dai eu resolvi copiar.
Não sei se é um problema (espero que não).
Se alguém quiser o modelo (o formato do arquivo é .svg para o inkspace) é só mandar um e-mail.
andre.r.saggin@gmail.com
abraço
Sem problema nenhum, fique a vontade.
Olá, conheci esse post através do Mundo Tentacular e gostei muito do texto. Como fiquei muito interessado, gostaria de saber se a aventura foi de fato disponibilizada, pois não consigo encontrá-la.
Felipe
Felipe, estamos em novo endereço www.rpgpara.com
Gilson
Hey John Bogéa, cadê a aventura?
: D
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